A sociedade Brasileira de Neurocirurgia Pediátrica foi forjada no trabalho de alguns, separados por nós há tantos quantos 40 anos e que enxergaram no savoir bien fare neurocirúrgico uma diferença enorme entre o gesto diante da criança e do adulto, em um tempo em que certamente os melhores prognósticos não nos colocariam na encruzilhada atual de escolher entre uma medicina feita por pessoas ou delegada a algoritmos de inteligência artificial. Estes homens e mulheres poderiam ter advogado em benefício próprio, mas arrastados pelos exemplos de antecessores, de outras línguas, culturas, necessidades, dores e amores, decidiram não por glória ou ganhos transitórios e conseguiram incluir a neurocirurgia infantil no seleto grupo das melhores do mundo.

Na maior parte dos anos, em silêncio resiliente, pois a labuta e a necessidade de seguir em frente não pararam, foram sendo enxergados pela comunidade onde viviam, seus hospitais e serviços, pela sociedade brasileira de neurocirurgia, pela sociedade civil, pela justiça secular e acima de tudo pelas famílias das famílias das famílias – na força da ética como motor na mudança dos costumes e que se perpetua na medida que é legítima, pungente e proporciona o bem-estar consciente desta maioria.

Nesta trajetória onde o tapete do tempo foi caminhado no seu ritmo próprio e inegociável, olhemos para os últimos 40 anos deste grupo e o quanto gerações foram fomentadas, talhadas sob os mesmos valores. Aos que chegaram, o desejo de mudança vem com o ímpeto característico, inestimável para o maior desafio dos nossos tempos, a indiferença diante da dor do outro, em um emaranhado de valores morais, informações que nos colocam em todos na ditadura mais faminta que tivemos até hoje: a do relativismo, a nos consome diariamente, sem alardes, e que nos tira a força do questionamento, da mesma resiliência daqueles primeiros. Perder-se na “busca da verdade, diante do erro” seria nossa derrota; pelo contrário, a força deve ser perene, organizada, congruente para resistir ao enfado das inúmeras derrotas que tivemos e teremos.

Em um tempo em que a destruição das sociedades de classe diante de interesses privados e de conglomerados de saúde é a realidade, resistir é tão importante quanto avançar e o que nos foi ensinado por aqueles que vieram, com a graça de Deus ou de qualquer poder superior a quem acolher: não foi pela imposição dos desejos ou pelo volume do grito.

A sociedade brasileira de neurocirurgia nos enxerga? Definitivamente sim! Nos acolhe? Certamente. Nos legitima? Essa reposta vem sendo dada a cada ano e o saldo tem sido positivo, talvez ainda longe do que gostaríamos, pois, sua influência se estende desde as portas de acesso aos novos membros da SBNPed aos que formaram sua estrutura base.

Cabe a nós, a todos e a cada um, se perguntar na labuta diária: eu enxergo o paciente além do imposto de códigos civis de honorários discutíveis onde ainda quem sustenta o bisturi tem mais valor na balança moral que a criança? Não se trata de um chamado a anarquia, o rompimento ou discussões intransigentes com aqueles que sem os quais nem existiríamos como classe ou sociedade organizada, mas em fazer do nosso trabalho, exemplo de conduta e gesto, onde atuamos, com quem trabalhamos, todos os dias, para desse ponto então se perguntar: quem nos enxerga?

Dr. Thiago Cavalcante