A gestação e a espera por uma criança representam momentos de intenso envolvimento emocional para uma família que está se constituindo. Em um mundo em que expectativas são cada vez mais idealizadas, a descoberta de uma alteração na formação do feto, como a mielomeningocele, traz angústias e muitas dúvidas sobre o futuro do desenvolvimento neurológico do bebê.

Para construir caminhos mais seguros e com melhores chances de sucesso, é importante conhecer as opções de tratamento surgidas com o avanço da Medicina, como a cirurgia fetal.

A mielomeningocele resulta em uma abertura nas costas do bebê, geralmente na região lombar, com exposição do sistema nervoso que não se fechou adequadamente para constituir a medula espinhal, de onde saem os nervos para as pernas e para a bexiga.
Sua causa está relacionada a desvios do processo embriológico normal ainda no primeiro mês de gestação. Há influência da falta de níveis adequados de ácido fólico no organismo materno, e é por isso que os obstetras recomendam o uso desta substância desde 3 meses antes do início da gestação e durante todo o primeiro trimestre. Entretanto, a mielomeningocele pode acontecer mesmo tomando-se este cuidado.
As principais consequências da mielomeningocele são, portanto, dificuldades na movimentação das pernas e no controle urinário, mas também o aparecimento de hidrocefalia, o acúmulo de líquido no interior do cérebro, em cerca de 80% dos casos. Isso acontece porque o vazamento do líquido cérebro-espinhal (conhecido também como líquor) pela abertura nas costas provoca o deslocamento de estruturas cerebrais e a obstrução do fluxo normal do líquido, que acaba se acumulando. A hidrocefalia, devido a seu efeito de compressão sobre o cérebro, pode gerar sérios problemas no desenvolvimento neurológico da criança, incluindo dificuldades de comunicação e de aprendizagem.
O tratamento tradicional para a mielomeningocele é a correção cirúrgica após o nascimento, realizada preferencialmente até 48 horas após o parto. Esta rapidez é importante para evitar infecções do sistema nervoso, visto que há exposição da medula aberta para o ambiente externo. Entretanto, mesmo a cirurgia realizada o mais rapidamente possível e em condições adequadas não é capaz de evitar as consequências da doença, como hidrocefalia e fraqueza nas pernas.
Nesse contexto é que foi desenvolvida e aprimorada nas duas últimas décadas a cirurgia fetal para tratamento da mielomeningocele. Entre a 19a e a 26a semanas de gravidez, a gestante é submetida a anestesia geral e a abertura do abdome e do útero por uma equipe de obstetras. Sem que o bebê seja retirado do útero, a mielomeningocele é então exposta e corrigida por uma equipe de neurocirurgiões. Após a correção da mielomeningocele, os obstetras realizam o fechamento do útero e do abdome, a anestesia é retirada e a gestante recupera-se alguns dias no hospital até ser liberada para prosseguir a gestação. Por ocasião do parto, o bebê já nasce com a alteração corrigida.
Um importante estudo científico conduzido nos Estados Unidos e concluído em 2011 (MOMS – Management of myelomeningocele study) demonstrou que a cirurgia fetal para mielomeningocele foi capaz de reduzir a taxa de crianças com hidrocefalia e de melhorar a motricidade nas pernas e o desenvolvimento mental. Desde então, estes resultados têm sido reproduzidos ao redor do mundo diversos e diversos centros têm reunido equipes para a realização do procedimento.
Existem outras técnicas para a correção da mielomeningocele no período fetal, utilizando endoscopia (fetoscopia). Nesta variante, são introduzidos aparelhos que permitem a visualização em monitores e fechamento da mielomeningocele sem cortes no abdome e no útero. Embora pareça menos invasiva, a fetoscopia exige a utilização de membrana artificial para o fechamento da falha nas costas do bebê e há dúvidas se é tão efetiva quanto a cirurgia aberta.
Independente da técnica empregada, é preciso saber que a cirurgia fetal acarreta maiores taxas de prematuridade, com risco de aparecimento das conhecidas e perigosas consequências do nascimento antes da completa maturidade fetal, como hemorragias cerebrais e dificuldades respiratórias. Os riscos para o organismo materno, inerentes a qualquer cirurgia de porte considerável, também estão presentes, como hemorragias abdominais e embolias respiratórias.
No cômputo geral, a cirurgia fetal para mielomeningocele, quando realizada em condições adequadas e por equipe multidisciplinar capacitada, apresenta importantes vantagens para as crianças e suas famílias. Em resumo, os principais benefícios são a redução do risco de hidrocefalia e suas consequências para o desenvolvimento neurológico, a possibilidade de melhor motricidade nas pernas e a oportunidade de evitar que a lesão se torne muito ampla e de difícil fechamento após o nascimento, com problemas de cicatrização.
A opção pela cirurgia fetal precisa ser bastante discutida dentro da família e com a equipe médica, levando em conta riscos e potenciais benefícios, bem como os sentimentos e as aspirações da gestante. Além de dominar todas as etapas técnicas da execução do procedimento, os profissionais envolvidos precisam compreender a dinâmica emocional enfrentada pela família e oferecer apoio e suporte, independente da escolha final tomada. O conhecimento e a informação adequada servem certamente para reduzir a ansiedade e favorecer decisões conscientes e bem embasadas.

Por Eduardo Jucá
Neurocirurgião Pediátrico