“Eu não pedi pra nascer.” Era com esta frase que reagia frequentemente às queixas dos meus pais sobre mim. Eu tinha razão. Trazer um filho a este mundo é uma decisão egocêntrica dos pais. Eu não existia. Duas outras pessoas decidiram em algum momento que eu deveria existir. Um projeto sem minha participação. Uma decisão em que não fui consultado.

“Eu não pedi pra nascer.” Era com esta frase que reagia frequentemente às queixas dos meus pais sobre mim. Eu tinha razão. Trazer um filho a este mundo é uma decisão egocêntrica dos pais. Eu não existia. Duas outras pessoas decidiram em algum momento que eu deveria existir. Um projeto sem minha participação. Uma decisão em que não fui consultado.

Fui criado num ato rápido, que espero tenha sido bastante formal e respeitoso, e gestado por 9 meses. Zelaram por mim nos primeiros 23 anos da minha existência. Depois disso, comecei a continuar existindo por conta própria. Voltar atrás já não seria fácil, nem indolor. Felizmente, fui bem formado. Meus pais alimentaram-me bem, educaram-me bem, instruíram-me bem. Amaram-me muito. Tive sorte. Sou uma raridade neste oceano de almas sofridas. A criação não é bondosa com todos.

Gerar filhos é um poder divino. Conceber um novo ser humano é a maior força natural que possuímos. Ironicamente, tão imensa capacidade é realizada de forma fácil e divertida. Um dom gigantesco efetivado com nenhum esforço. Damos a vida a outros seres humanos sem trabalho algum, sequer de concentração.

Fazer os filhos evoluírem é bem mais difícil. Um esforço hercúleo. Um imenso custo físico, emocional, intelectual e financeiro. Nem todos preocupam-se com isso. Nem todos possuem as condições mínimas para este trabalho. São poucos os que possuem o discernimento de cuidar devidamente daqueles que trouxeram ao mundo. São muitos os que contemporizam com suas obrigações, que diluem suas funções, que minimizam suas falhas. É muito desleixo com as vidas criadas. O poder pede grande compromisso, mas não obriga. A natureza às vezes erra.

Não podemos transigir quando o assunto é ter filhos. São indivíduos que foram trazidos ao mundo sem pedir e precisam de muito cuidado, muita atenção e muito amor. Não há opções. Quer curtir a vida sem restrições? Não tenha filhos. Quer contemplar todas as suas vontades? Não tenha filhos. Quer realizar todos os seus desejos? Não tenha filhos. Quer gastar consigo todo o seu dinheiro? Não tenha filhos. É simples. É fácil. É bom.

Nós não queríamos ter filhos. Éramos jovens e queríamos curtir a vida sem restrições, queríamos contemplar todas as nossas vontades, queríamos realizar todos os nossos desejos, queríamos gastar conosco todo o nosso dinheiro. Quando tudo isto deixou de ser importante, decidimos egoisticamente criar novas vidas, trazer novos seres humanos a este mundo conturbado. Foi uma decisão consciente. Sabíamos dos esforços, sacrifícios e angústias que iríamos enfrentar. Escolhemos seguir em frente. Ainda não entendi o porquê, mas foi a melhor coisa que já fiz na vida. Peço desculpas aos meus filhos pela decisão.

“Daqueles a quem foi confiado muito, muito mais será pedido” (Lucas 12:48)

Rilton Morais ( Pai de Rodrigo e Alice)
Neurocirurgião Pediátrico