Por sulcos e circunvoluções, neurônios e sinapses, passam nossos pensamentos e atos, dos mais nobres, profundos e racionais, até os mais condenáveis e patéticos. Nos caminhos da mente humana, curvas, obstáculos, subidas e descidas se sucedem, e qualquer descuido pode desviar nossa rota, levando-nos do paraíso ao inferno em menos de um segundo.

Por sulcos e circunvoluções, neurônios e sinapses, passam nossos pensamentos e atos, dos mais nobres, profundos e racionais, até os mais condenáveis e patéticos. Nos caminhos da mente humana, curvas, obstáculos, subidas e descidas se sucedem, e qualquer descuido pode desviar nossa rota, levando-nos do paraíso ao inferno em menos de um segundo.
Uma palavra mal dita pode tornar-se maldita, assim como um comportamento errático; uma decisão equivocada, precipitada; um erro de análise e julgamento; um gesto mal pensado; uma reação inoportuna ou um comando motor inadequado. Essa verdadeira autossabotagem cerebral pode esconder (ou revelar) outros vícios capitais: ira, ciúme, inveja, gula, preguiça, soberba.
Ideias e atitudes subversivas, conscientes ou não, podem tornar-se dominantes e incoercíveis, de modo diferente de um computador, no qual escolhemos o programa ou assunto que queremos acessar e navegar. No mar do cérebro, navegar é preciso, mas o naufrágio é sempre um risco.
Controlar pensamentos e atitudes é tarefa árdua. Missão quase impossível; coisa para poucos, mas de suma importância em nosso mundo, exigente desde sempre. O bombardeio de informações hoje, nem sempre agradáveis, nos obriga a desenvolver filtros, estratégias e carapaças cada vez mais robustas e eficientes. Quando somos abatidos, tempestades maiores nos ameaçam: ansiedade, depressão, suicídio.
Nessa esfera patológica, as ameaças ao poderoso e frágil cérebro são grandes. Além das supracitadas, estamos sujeitos a neuroses, psicoses, doenças genéticas / hereditárias, traumas de toda natureza, acidentes vasculares, demências, degenerações, neoplasias, efeito de substâncias, infecções etc. Memória e raciocínio, outrora intactos, se vão. Nietzsche, de admirável inteligência, em pouco tempo ficou louco, após uma crise nervosa ao abraçar um cavalo para protegê-lo do açoite de seu dono, e nada mais produziu. Tornou-se dependente dos cuidados da família até morrer, onze anos após. A provável causa subjacente ao seu colapso foi a neurossífilis, comum na era pré-penicilínica.
Nossa racionalidade pode se extraviar nos complexos emaranhados de neurônios encefálicos, percebamos nós ou não. Paixões, ilusões e obsessões podem nos escravizar, fazendo-nos perder tempo, energia, dinheiro, o senso do ridículo e até a própria vida. Não é à toa que Cristo nos orientou a rezar pedindo forças para não cairmos em tentações.
Do que pensamos e falamos, muito são palavras escritas na areia de uma praia qualquer, para a modernidade líquida de Bauman apagá-las logo na primeira onda. Para a Análise de Discurso de Matriz Francesa, que tem o filósofo Michel Pecheux como precursor, nosso discurso (falado ou escrito) representa uma voz momentânea, efêmera, por vezes paradoxal, entre muitas outras vozes internas que constituem nossa complexidade polissêmica. Somos também afetados por ideologias (políticas, religiosas, culturais etc), que, para Ricoeur, podem estreitar nossas possibilidades de interpretação e reflexão dos acontecimentos, pois passamos a pensar quase sempre a partir da ideologia, e pouco sobre ela e seu contraditório.
Além, disso, e não menos importante, nosso inconsciente, conforme ensinou Freud e depois Lacan, exerce influência enorme em nosso dia-a-dia. Um estudo alemão de 2008 chamado Determinantes inconscientes de decisões livres no cérebro humano mostrou, observando atividades neurais no lobo frontal de voluntários, que até sete segundos antes de uma tomada de decisão, era possível prever em grande parte qual seria esta decisão. Em outras palavras, é o cérebro quem decide, e não só a mente consciente. Fica então a pergunta: seria nosso livre-arbítrio, realmente livre?
Para Foucault, por sermos sujeitos constituídos historicamente, nossa liberdade é restrita e limitada. Em seu livro A ordem do discurso, de 1970, o cético filósofo revela a intrínseca relação, consciente ou não, do discurso com o desejo de poder, ou seja, escrevemos ou falamos de acordo com aquilo que desejamos para obtermos algo, sem necessariamente assinarmos um compromisso com a verdade. Os ingleses tem um termo para esse tipo de viés do pensamento: wishful thinking, também uma espécie de otimismo infundado.
Por outro lado, podemos exagerar no pessimismo, no desânimo e no medo. Presumimos muito, e mal, distorcendo a realidade conforme ela nos parece, e não como ela é, mesmo porque, saber todas as nuances das verdades das coisas, pessoas e fatos, é impossível, como já advertira Wittgenstein, que, antes de abandonar a filosofia por acreditar ter encontrado seus limites, escreveu: “Nada é tão difícil como não enganar a ninguém” – e eu completaria: especialmente a nós mesmos.
A neuropsicologia e a neurociência avançaram muito nas últimas décadas, sendo que a última do século XX foi chamada, nos Estados Unidos, de década do cérebro. Novas medicações psicotrópicas e outras abordagens terapêuticas surgiram, novos métodos de estudo, como a ressonância magnética funcional e PET-SCAN, permitem observar alterações cerebrais produzidas por pensamentos just in time. No entanto, a pergunta de Descartes, feita há mais três séculos – como a mente (não material) influencia o cérebro (material), e vice-versa? – ainda não foi, de fato, respondida.
As respostas para compreendermos, utilizarmos e sobrevivermos ao nosso cérebro, ou à nossa mente, talvez se encontrem em um casamento dos conhecimentos desta ciência moderna com a tradição e sabedoria milenar, tão rica e diversificada nas diferentes culturas. Para os judeus, somos constituídos pelo yetzer hatóv (o desejo de fazer as coisas corretamente, que é identificado com a alma ou o cavaleiro) e o yetzer hará (o desejo de seguir os próprios instintos, que corresponde ao corpo ou o cavalo). O Talmud, coletânea de livros sagrados daquele povo, adverte que o cavaleiro deve sempre estar em cima do cavalo, ou seja, a razão deve dominar nossas emoções e instintos.
Quando este domínio se perde, e o cérebro não suporta os problemas, ele lança mão de mecanismos psicológicos de defesa, como negação, sublimação, projeção, isolamento, repressão, identificação e a própria racionalização. Tais processos podem ser verdadeiras artimanhas a serviço do id e do ego, dois eternos insatisfeitos que vivem dando trabalho ao superego. Para o budismo, a dissolução do ego, e o desapego ao mundo material, são as chaves para a felicidade.
No âmbito religioso-doutrinário, tão impregnado de metafísica, o assunto é mais complexo ainda. Crer ou não crer, a questão que une e divide a humanidade há séculos, nos faz acreditar ou mesmo constatar que, nos mistérios entre o céu e a Terra, o que não faltam são demônios, de todos os tipos – reais ou imaginários – para assombrar a mente humana.
Para iluminar tantas sombras e dirimir tantas dúvidas que ainda pairam entre os rincões escuros dentro da calota craniana, é mister que, assim como fazem os insetos à noite, voemos incansavelmente, buscando sempre e cada vez mais alguma fonte de luz.

Por: Dr. Rogério Dutra Bandos